Contos, reflexões, ensaios... tudo em prosa. Com um generoso toque de sentimentos.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Uma tentativa canina frustrada de suicídio.
O cão pulou do 3° andar e sobreviveu.

Devia ser de uma infelicidade absurda. Tentar matar-se sem raciocínio e ainda viver.

A tentativa de suicidio, quando frustrada, deve ser ainda mais amargurante e atesta o fato: 'nem morrer eu consigo'. Não tendo sentido algum na vida, nem mesmo na morte, tornará a pessoa de um vazio chocante. Ainda há a esperança: 'se está tudo uma merda ainda virá a morte para salvar-me'... Mas quando nem ela trás esperança, então a esperança morre antes.

De uma especialidade terrível: morrer depois da esperança.
Era fácil para ele mascarar-se.
Sempre diziam-lhe: 'esse nasceu para o palco'. De fato seus dons artísticos de interpretação eram vistos ao longe. Expansivo, adaptável, camelão... Vê-lo-ão como ele quer que o seja.
Cabe ao ator um fardo: a mudança instantânea de personalidade trás consigo a incerteza da mesma.
Ele mesmo não exerga-se. Não compreende-se.
Outro fardo: o de tonar a tudo uma peça de teatro. Dramatizar a vida e os acontecimentos.

Com dois fardos como estes cabe a ele a negação de valores atribuídos outrora para algum que o valha de maneira mais dramática e artística. Olha-se o cardápio de acontecimentos e sensações e escolhe-se a com maior pontecial de dramatização. Atribuí-la-á a seu momento e dramatizá-la-á. Inventa-se paixões, gostos, vontades...

Até o momento em que ele se depara com a seguinte afirmação: 'torne-te quem tu és'. Não obstante, não há meio dele tornar-se quem ele é. Afinal, desde seu entendimento por pessoa já o eram escolhidos os valores e sua essência.

Sartre já dizia: 'a existência precede a essência'. Seria essa a pedra-base do existencialismo. Sua existência importa mais que sua essência, já que a essência vai da vontade do existente. Valores, caráter... todos procedem à existência, máxima e absoluta.

Ele não possui domínio de seu eu. Ou possuí?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Há, em mim, uma grande contradição: Ao mesmo tempo que tenho a quase necessidade de romantizar e carregar todos os pequenos detalhes, sentimentalmente falando; tenho a certeza que há, em mim, um vazio.
Não que eu seja um invólucro, contudo não sinto. Sinto de uma maneira a qual não me satisfaz. Não me supre. Tenho pouco sentido e ainda assim há a vontade da sentimentalização.
Falta-me a noção de ser ou não sentimental.
Não sinto, em mim, os sentimentos, logo não os são.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Vodca insône

Clic e o portão abriu. Ela desceu do carro e despediu-se torpe da amiga entorpecida. Costumeiramente não cumprimentou o porteiro. Bling e o elevador chega. Automaticamente a porta abriu e ela entrou. Entrou em casa e cheirou. O cheiro impregnou-se. Desde o carro nada permaneceu intacto além do cheiro. Ora, que viril! Derrotou tudo e moustrou-se único nas preocupações e indagações dela. Toc a sola do salto pelo apartamento, a varanda estava mais fresca. O banheiro estava úmido dos banhos ultimamente quentes dos dias permenentemente frios. Nada. Nada a livrava daquele cheiro. E que cheiro era? Algo como um prenúncio. Era cheiro de terra molhada. Bip e o fornô de microondas declarou pronto chá. O que foi ingerido foram duas doses. Tim tim e ela brindou sozinha. Dois copos de uma vez. Ela e o cheiro continuaram juntos... Um lapso! Voltou-lhe a memória: foi o homem. Nada mais de cheiro, ela fez de tudo pra despir-se do cheiro que caía-lhe como camisa de força. Estava sentindo-se presa. Os braço mexiam-se na prisão desesperada. Mais uma dose para livrar-lhe do gosto. Que seria? O anunciação era clara, porém turva. Ela não entendia nada, e isso a desesperava. Ora, sempre racional e olhos de falcão! Eles a abandonaram logo nesse momento. Cheirou e gritou. Mais uma dose e tomou um comprimido. Mais uma dose e foi ao chuveiro. Tonta, doida, desesperada. A cheirou fincou-se em suas costas. Esfregou-se forte com o sabonete, e tontou mais. Mordeu a mão, tonteou mais e dormiu.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ceder...
Ela pensou em ceder. Não deixar mais nehuma barreira. Dar-se mais. Dar-se sem cobrar. Não vender-se por valores irrisórios. Valores que não a supriam. Não supriam a vontade. Vontade de ceder. E por que não? Por causa do medo. Ou seria a diversão? O jogo era divertido. Ver até que ponto chegará. Mais uma vez o medo. Não é necessário o jogo. A necessidade. É necessário ceder. Ela necessita. Não. Não poderia ceder. Há muito que a faça não ceder. A necessidade. A necessidade fala mais alto. Ela quer. Ela vai. Nada mais importa. O momento é bonito. A necessidade é suprida. No momento em que ela cede, nada mais importa. Nada mais é necessário. Vontade de permanecer. Paz. Permanecer em paz...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

A cidade de K. era pequena. Não haviam chegado os males e os benefícios contemporâneos.
Os que chegavam (quando chegavam), avistavam de longe a grande torre da Igreja, com seu relógio parado, com dúzias de casas rodeando-a.
Camilo chegou à K. numa noite de lua mingüante. Não era uma pessoa sensível, ainda assim emocionou-se ao perceber que havia voltado.
O exílio fora escolha própria. Não haviam mais condições de vivência digna na situação que se encontrava.
O limite geográfico transferia-se às pessoas.
Camilo nomeava "limitação mental". Mas ao dar-se conta que voltara, ele percebeu que ela havia afetado-o, o que sempre jurara não ter havido.

Ele não sabia que horas eram. Era noite. Não sabia onde ir. Não sabia onde começar. Como começar...
Indagava-se sobre sua volta. Teria sido prudente? Ele fugira. E mesmo os anos fora, ainda estava fugindo.
A sua dependência dos olhares taciturnos dos moradores, da falta de sofisticação, da vida cotidiana, do relógio parado, do vento forte, e da total indiferença (indiferença absoluta, de todos os lados), era uma "limitação mental". Camilo não tinha mais nada. Haja vista a limitação, ele estava fadado às limitações de K. Só assim ele conseguiria evoluir.
Mas como evoluir sendo limitado?

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Indagações...

Pois que todos os dias ele passava fumando... Ai, que ele parou de fumar?
Agora essa... Que poderia ter acontecido? Fumava sim, todos os dias, sempre que o via passando, estava a fumar. Agora não se vê com um cigarro por perto.
Ai, que isso não me alegra. Agora como poderei referir a palavra a ele?
Já havia, inclusive, começado a fumar para ter o pretexto de pedir-lhe um isqueiro, assim chamaria sua atenção.
Até já o fiz, porém não adiantou muito. Ai, que me ignorou quase por completo.
Que poderia significar? Que não represento-lhe nada?
E olha que o pedi usando todo o meu charme possível. Sempre tento chamar-lhe a atenção, o que parece ser em vão. Ai, que não entendo.
Ai! Deus! Será que ele não gosta das que chamam a atenção?
- Poderias ser mais recatada, menina! Assim, quem sabe, ele não te repara e passa a olhar-te como desejas? - diria alguém
Ai, que ele nem vai prestar atenção em mim... Nem irá avistar-me.
Tenho que ter os mesmos costumes que os seus. Conhecer as mesmas pessoas, freqüentar os mesmos lugares, ter os mesmos costumes.
Tanto que comecei a fumar por sua causa. A desculpa do isqueiro, se feita com mais freqüência gerará uma...
Ai, mas e se ele realmente parou de fumar? Como farei?
Não sei bem os lugares que ele freqüenta, além de saber que freqüenta os bailes da capital, os quais nem me atrevo a ir.
Ele é um homem tão importante. Como farei eu para que me repare?
Seriam necessárias roupas novas. E atitudes mais altivas para que me reparasse. Nada singelo, tudo poder e elegância.
O melhor perfume, o melhor tecido, a melhor costura.
E o andar sedutor e envolvente.
Ai, que não sinto-me feia. Também não ouso dizer que sou bonita, mas não sou de jogar-se fora. Tenho muitas virtudes que os outros desconhecem.
Não consigo alguém porque sou uma anta, lenta.
Ai, que eu queria que alguém visse minhas virtudes todas, e que eu pudesse passar muito tempo, e que me completasse e que pudéssemos discutir as mais variadas coisas, tudo nosso interesse.
Afinal, quem é que não vive com a eterna vontade de ser amado?
Faço eu mal?
Não. Faço apenas aquilo que me convém ser a coisa certa. Mesmo vivendo apenas de idéias não realizáveis. Hipóteses...
Ai, que sou mesmo uma anta. Não seria mais agradável se me despertasse o interesse aquele que já está interessado em mim?
Pois que isso deve ser maldição. Já ouvi falar que existem pessoas que fazem certas "misturas" com intenções torpes:
- Pára com isso, menina, isso não existe. É coisa de sua cabeça.- dirá alguém.
Ai, lá vai ele em seu caminhar. Aonde estará indo?
Poderia ser esse o momento que eu poderia pedir-lhe um isqueiro para acender um cigarro e ele sorriria e perguntaria como eu tenho passado, e começaríamos um ótimo relacionamento.
Mas já que o maldito parou de fumar, todas as esperanças, que já eram frágeis, fossem pelo ralo. Nunca mais terei uma outra oportunidade de me aproximar dele.
Sou mesmo muito desgraçada.
E jamais homem algum iria querer algo comigo, pois eu ficaria imaginando tantas coisas que iriam para o ralo assim como essas.
A próxima serei eu. A descer pelo ralo de um fedor inebriante. Sempre para baixo. Sempre num lugar mais e mais sujo. Todo o esgoto em mim. Ficarei tempo suficiente lá até poderem confundir-me com qualquer outro dejeto. Sim, isso que sou, um dejeto.
Então eu iria ser despejada no mar, e ninguém notaria minha falta.

Ai! Que seria aquilo em sua mão? Está acendendo um cigarro?
- Corra, corra, corra! Vai logo pedir-lhe o isqueiro.- diria alguém.