Proseando ilusões...

Contos, reflexões, ensaios... tudo em prosa. Com um generoso toque de sentimentos.

sábado, 24 de outubro de 2009

Acerca do suicídio.

Meus pensamentos sobres suicídio mostravam-se, até então, apenas indagações incipientes. Às vezes imaginava-me morto, porém nunca houve êxito, já que sempre estive em um canto, observando meu velório e enterro.
Ultimamente, confesso, surgiram em mim certos impulsos suicidas assustadores, visto que são concretos. Penso que a inexistência impossibilitaria todo o sofrimento.

Kant diz que a inexistência é menos perfeita que a existência. Uma casa com calefação seria melhor que uma casa inexistente, não seria isso ilógico? A casa não existe: não é mlehor que alguma casa com ou sem calefação.

O suicídio vai além do fato de existir ou não, porém a inexistência oferece-nos conforto tal que a dor da morte compensaria o fato de livrar-nos das frustrações e mágoas, inerentes a quem padece a condição de existir.

Suicidar-se, contudo, implica o fato de aplicar a quem amamos um sofrimento maior. A morte gera sofrimento aos outros.

O suicida é, além de tudo, um ser egoísta. Desprendido de condenscendência ao próximo, o suicida atingi o grau mais complexo aos que existem: a inexistência.

Para atingir a inexistência é preciso coragem para gerar sofrimento. É preciso coragem para desprender-se dos prazeres mundanos. É preciso coragem para suportar a dor da morte em si mesmo. Para si mesmo.

É incômodo morrer? Prega-se o bem comum que sim. Tal pregação causa-nos a covardia do suicidio.


Ademais, existe a esperança. A esperança trás-nos a porta: viver é bom. Existir é bom.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Doutor é como a morte.

Dr. Havel sempre teve a fama de que nada lhe escapava. Mesmo mulheres feias passaram por sua cama.
Havia uma, não obstante, a qual ele recusava, embora de aparência melhor que muitas de suas aventuras pretéritas. O motivo não era concreto ou paupável, simplesmente havia escolhido Elizabeth para ser a única rejeitada.

O Doutor lembraria de Elizabeth para sempre.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Terra

Tudo se resume em água.
Cai do céu, cai de pedra, sai debaixo da terra.

Ir em cachoeiras e trilhas molhadas pela água me fizeram entender certas coisas. Ver coisas que nunca estiveram em outro lugar. E as águas da cachoeira, que sempre estiveram em outro lugar.

Sortudas as árvores que nasceram no Sana.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Para quê?

Leana tragava um cigarro e uísque.

Lembrava-se de coisas, imaginava-as diferente. Mudava uma fala da sua memória, e acrescentava o que lhe convinha. Arrependia-se, na verdade. Bom que ela podia criar próprias falas, o problema era serem próprias, nunca antes ditas.

A brincadeira logo a cansou. Tomou-se a pensar nas conseqüências das falas há pouco trocadas. Daí que nada mais de alterações seriam feitas, já que nada havia acontecido para ser trocado.

Pensava de maneira realista, e dava-se por farta de pensar naquilo tudo.
Tomou-se, impaciente, a esperar.

Esperava pela presença de Raul para explicar-lhe e tirar-lhe da cabeça qualquer pensamento. Nenhum arrependimento, logo nenhuma troca e evidentemente também nenhuma conseqüência. Raul detinha esse nó que prendia seus pensamentos. Com certeza o amava.



Não sabia que o futuro era diferente do de todas suas especulações de segundos anteriores:

- Chegou tarde.

- Já está bêbada?

- Não. Fiquei a te esperar e estou a beber uma única dose. Onde estava?

- Eu nem ao menos deveria ter vindo.

- Se fosse tua vontade mudaria tudo, não é?



Raul conheceu a jovem em seu trabalho. Não era bonita, e nem bem vestida. Seu trabalho era precário, e de pouco reconhecimento. Sorriu à ela ao entregar o dinheiro, e o troco foi retribuído. Havia nitidamente se encantado. Levou-a a sua casa algumas semanas após o reconhecimento. Ela mostrava-se muito faladeira, e tinha um namorado. Mostrava-se, ainda, muito desinibida e sentiu-se à vontade ao sentar na poltrona, de pernas abertas. Ria a modo de ouvir-se de longe. Contou da existência de Leona, mas não exteriorizou nenhum sentimento. A jovem não demonstrou interesse algum, continuando a falar.

Seu namorado, Raul soube, era poeta. Estudava os Altos Estudos Políticos. Comentou, logo antes de Raul irritar-se e cortar o assunto com rispidez, que ele era ciumento e não poderia saber que ela havia ido ao apartamento.

Raul não pensava em Leana enquanto conversava com a jovem. Pensou depois, e não gostou. Mesmo que não houvessem estabelecido que deveriam ser fiés, Raul não gostava de não pensar em Leana. Não pensou em Leana ao fazer sexo com a jovem.



- Mudaria algumas coisas, sim.

- Pois eu teria feito tudo igual.

- Engula o teu orgulho. Não fez nada certo para orgulhar-se de algo.

- Não tem o direito de me dar ordens, me ofender e nem cobrar nada. Foi tu que começou com essa coisa toda.

- E nunca fora complicado pra tu entender. Aceitava sem nenhuma divergência.

- Pois houve. Contente-se com o que tem agora.

- E o que tenho agora?

- A mim. Como sempre.

- Acha que continua tudo igual?

- Não guardo mágoa alguma. E tu não tem motivo nenhum para ter.



Quando Raul contou a Leana da jovem ela interessou-se, quis conhecê-la. Fazia tempo que Leana quis conhecer um caso de Raul .Leana sempre respeitou os casos, e ela própria havia tido os seus. Não havia preocupações. Ela sabia que Raul não conseguiria deixá-la. Ainda não havia pensado na vida sem Raul, então nunca havia questionado se conseguiria ou não.

Interessou-se pelo tipo da moça. Gostaria de conversar com ela, não irei mentir-lhes: queria mostrar-se superior à jovem por algum tipo de prazer oculto. Gostava de conhecer os casos de Raul para mostrá-las como é mais interessante e o porquê de Raul manter somente à ela. Marcaram um jantar. A jovem sentiu-se assustadíssima com a idéia de conhecer a 'namorada' de seu atual amante:

- Come pato?

A jovem respondeu que sim.

- Espero que goste de pimenta, eu e Raul gostamos muito.

- Embora este tenha sido um hábito que adquiri por sua causa, Leana.

A jovem respondeu positivamente a questão da pimenta.

- É jovem... Estuda?

A jovem disse que só trabalhava, mas que gostaria de voltar aos estudos o mais rápido possível. Estudava com o namorado para ingressar à faculdade.

- E já tem algum curso em mente?

- O trabalho dela é bem desgastante. Creio que não haja tempo para pensar tão claramente sobre o assunto - Raul acabava de servir o vinho.

- Seu namorado estuda?

A jovem comentou sobre os estudos do namorado, e sua vida de poeta.

- E tu gosta dos poemas que ele escreve? São de que tipo?

A jovem disse que gostava.

- Falam sobre o quê?

Sobre a vida.

- Costuma ler outros poemas?

Não.

- Costuma conversar com seu namorado sobre seus poemas?

Não.

- Não se interessa por poesia?

Não muito. Preferia ler romances.

- Mudemos o assunto - Raul tentou proteger a jovem.

A jovem disse que gostaria de estudar fotografia.

- Leana é fotógrafa.

O poeta namorado da jovem havia ido em seu apartamento para mostrá-la seu novo poema. Irritou-se quando viu que ela não estava. Parou na calçada e esperou, impaciente. Depois de 5 minutos começou a andar para que ninguém mais percebesse sua frutração. Viu dois policiais vestidos de terno indo no apartamento, obviamente procurar por ela. Sentiu o rosto ficar quente, rasgou o poema e voltou para casa.

A jovem foi a casa de Leana para aprender a tirar fotos. O convite fora proposto pelo próprio Raul. Leana quis aproveitar a situação para saber quem era a jovem:
- A fotografia surge com o olhar. Você deve olhar tudo que vai estar na fotografia, e depois registrar.
Click. Começaram um ensaio simples, e a jovem começou a falar. Falava intensamente, e encantava. Leana perguntou sobre sua vida. Era pobre, família grande, irmãos problemáticos. Click. Vinha do interior da Boêmia, e estava em Praga trabalhando como caixa de supermercado. Não estudava, mas pretendia. Click.
Leana sentiu-se preenchida por dois sentimentos: pena e apreensão. Percebeu que a jovem era inocente, feia e desgraçada, porém era atraente de forma perigosa. Não havia vontade de magoá-la de nenhuma forma. Ninguém iria querer magoá-la.

Raul não via a jovem nem Leana há 4 anos. Um dia, a jovem apareceu em seu apartamento. Descobriu a morte de seu namorado, mas não mostrou-se sentida. Raul questionou-a sobre a última visita que lhe fora feita pela jovem, na qual ela havia dito que nunca mais iria ver Raul, pois era apaixonada por seu namorado. Na semana seguinte à despedida dos dois Leana e Raul tiveram a conversa que terminaria com seu relacionamento. Um determinado momento Leana começou a chorar, e Raul abraçou-a. Tentou passar a mão em seu rosto e corpo. A jovem mostrava-se evasiva, Raul aumentou a força, a jovem debatia-se, mas cedeu.

- Tenho que sair. Podemos marcar outro dia? Meu irmão irá ficar no meu apartamento, mas meu namorado não pode saber. O partido socialista está com desconfianças para com meu irmão, não há outro lugar pra ficar além da minha casa. Meu namorado sente ciúmes do meu irmão, ele sente ciúmes de tudo. Contar-lhe-ei a verdade: meu irmão pretende fugir do país. Por isso a perseguição. Não conte isso a ninguém, pelo amor de Deus. Ele fugirá ainda essa semana, ficará em meu apartamento para despistar o partido. Eu não concordo com o que ele está fazendo, mas não tenho como contrariá-lo. Meu namorado também quer que ele vá embora. Iremos tirar mais fotos? Estou animada com o progresso que obtive. Na semana que vem?

Leana subiu as escadas do prédio onde trabalhava seu antigo amigo de escola. Deixou sua identidade na entrada, haja vista a importância da edificação. Logo encontrou seu amigo:
- Tenho informação séria para você, mas preciso de discrição. Não quero que notifiquem de que fui eu quem denunciou. Há um casal de irmãos querendo fugir do país. São revolucionários e irão encontrar a resistência que permanece no exílio.

Leana não imaginava que uma semana depois iria ter a conversa com Raul, depois de brincar e deduzir a conversa. Ela não imaginava que a conversa a faria não ver mais Raul.

Memória

Desde cirança estabeleci sempre uma relação íntima com casas. Sempre gostei de passar, conseqüentemente, por caminhos de ruas onde haviam casas as quais eu gostava. E sempre gostei, mesmo, de passar em frente casas de meu agrado.
E olho-as, admirado, todos os dias.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Da morte.

Eduardo comparava a morte como perder um objeto.
Nunca havia perdido uma pessoa. Era difícil a aquisição de que toda e qualquer pessoa um momento iria perder-se por aí.
- Mas na morte ninguém se perde, Eduardo. Quando se perde algo ainda há a vã esperança de achá-la. E sentimentos por pessoas são deveras mais fortes e estamos mais acostumados com pessoas que com objetos que haverão de serem respostos.

Como falavam de sua insensibilidade. Até que morreu, de forma trágica, um amigo.
Naquele exato momento a insensibilidade mostrou-se mais clara: Nenhuma lágrima fora expelida. Não que a perda tenha sido fraca, ou que não o havia impressionado.
É que nunca fora tão apegado, e conseguia, em seu cetismo, acreditar que a morte era a melhor das opções. Não que a exterminação seja a melhor coisa, nem era desgostoso com a vida... Apenas achava que fazia parte, e julgava-se maduro por assimilar tal nível complexo de compreensão.

Depois de mais algumas experiências sofisticou-se seu pensamento acerca da morte: 'morrem as pessoas para que não enjoemos delas'.
- Ai, Eduardo... Eu não me enjoaria nunca de certas falecidos amigos. Acho que cada pessoa é única e representa um alicerce para a base de todo os seres humanos. Cada pessoa é sustentada por todas as pessoas a qual relacionou-se, e assim faz-se a personalidade.
- Mas então a personalidade já está feita. Ainda existe a memória amigos, tudo que aprendemos está guardado. E que coisa mais enojante é aprender sempre a mesma coisa? A personalidade sempre precisa aperfeiçoar-se mais, portanto e preciso novas pessoas.

Não adiantaria, ninguém o entenderia. Digo que é sorte a dele. O escritor gostaria muito de pensar parecido como Eduardo. Sofrer por motivo de morte é doloroso.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Indagações 2 ou Solidão p.4

A casa de Leon era magnífica. Decorada de maneira clássica, bege e bordô. Quadros, cortinas, tapetes... Impressionava.
As estantes estavam lotadas de títulos maravilhosos.  Nunca realizara que Leon havia ganhado tanto dinheiro. Agora via de maneira nítida que sua vida era, de fato, melhor que a minha e de Pietro. Vivemos de maneira digna, mas há tempos não conseguimos viajar.

Assim que respondi a carta de Hélène, ela mandou-me nova com o endereço de Leon. Eu não sabia como os dois haviam relacionado-se, e não sabia porque Hélène queria me ajudar a encontrá-lo. Disse a Pietro que iria dormir na casa de Malena, uma amiga. Iríamos passar uma noite apenas nós duas, bebendo e conversando. Ele desconfiara, claro, não obstante não apresentou nenhuma objeção. Vesti-me com minha melhor roupa. Um vestido azul, com um sobre-tudo vermelho. No cabelo um turbante, também azul.
Peguei um ônibus, e fui. Meu coração batia forte. Estava assustada, empolgada, ansiosa. Sempre fui ansiosa.
Era tudo o que eu precisava. Minha carência seria suprida. Mas...
Havia, contudo, a possibilidade de Leon não gostar de minha atual aparência. Por isso a ansiedade apoderava-se tanto. Ainda assim, nossa relação nunca fora tão superficial a ponto de ligarmos para roupas, ou aparência... Reconheço que nós éramos bonitos, assim como Pietro também. Porém não era a base de nossa relação. Pietro mesmo reclamava quando me vestia de maneira mais exuberante.

O ônibus chegou a estação de trem. Ele iria me deixar no estação onde Leon estaria me esperando. Confesso que a estação lotada me deixou em pânico. Se alguém me visse poderia dizer a Pietro, que sabe que Malena mora em outra parte da cidade. Isso iria desgastar ainda mais a confiança que tínhamos um no outro. Andei rápido e olhei para baixo. Estremecida e anestesiada. Andei pela chão e pelas pessoas sem vê-las ou senti-las. Subi no trem e pûs-me dentro de uma cabine. Ainda nervosa, ainda ansiosa, ainda preocupada. Quantas sensações ao mesmo tempo. Aquilo deixou-me alegre. O perigo que havia tempo que não me assustava. Gargalhei, sozinha na cabine, e respirei fundo.

- Por quê ficou todo este tempo sem procurar-me?
- Sabia muito bem que não havia maneira de separar-me de Marccelo.
- Poderíamos ter criado Marccelo juntos. Pietro confidenciou-me certa vez sua impaciência com crianças, e seu medo de ter filhos.
- Pietro foi um bom pai. Não posso reclamar. Aliás, Leon, não sou a única culpada por nosso afastamento. Respondi todas suas cartas, elas que cessaram.
- Claro. As respostas sempre tão lacônicas. Desinteressadas e desinteressantes. Como responder algo tão digno de finalização?
- Tem que me entender, Leon... Ainda amava Pietro. Não tive outra escolha.
- Amava dois homens ao mesmo tempo?
- Não existe apenas uma maneira de amar, Leon, amei os dois de maneiras diferentes.
- E qual era o maior? O maior de seus amores?
- Obteve sua resposta há 20 anos atrás.
- Pietro?
- Marccelo e Pietro.
- Então responda-me, Giulia, por que esteve na estação hoje?
- O amor se desgasta. Marccelo está morando na Espanha. Pietro nunca fora muito de falar. Estive sentindo-me sozinha.
- E Pietro? Como vai?
- Trabalha feito um cavalo. E bebe muito, também.
- Continua teimoso?
- Além da aparência e do itinerário, nada mudou em Pietro. Continua exatamente o mesmo.
- Então ainda me odeia?
- Não acho que ele te odeie, Leon. Acho que houve uma decepção. Nossa conduta não foi a melhor.
- Pensei em escrevê-lo. Dávamos-nos muito bem.
- Sim. Víamos de longe como se completavam.
- E você era nossa ligação maior. O amor que sentíamos por você que nós ligara.
- Não aprovo essa definição. Eu fui o que separou vocês, e não o que ligou.
- Venha viver comigo. Nesta casa!

Leon estava na estação quando cheguei. Protegido do frio com um cachecol e um blaser. Cabelos brancos que realçavam seus olhos azuis. Continuava lindo, e sorria ao ver-me.
No dia seguinte nos despedimos com certa dor, e levou-me ao trem.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Indagações 2 ou Solidão p.3

Acordei.
Sempre que acordo em lugares estranhos sinto-me perdida. Por um momento parece-me que tudo é novo. Perco-me em minha confusão e na estranheza do lugar. Certas vezes perco-me no tempo. Parece-me que ainda sou jovem e aventureira, sempre em um lugar diferente. Não fico perdida por muito tempo, mas o momento é único.

Estava na casa de Leon, alguns poucos quilômetros de Roma. Fazia tempo que não nos viamos. Não é bom para mim voltar a me relacionar com Leon, Pietro sofre muito e não consegue transmitir o seu sentimento. Guardo-o para si, e certos momentos explode de maneira dolorosa, para mim e ele. O que me fez encontrar-me com Leon foi a carência. Não sei se meus sentimentos por ele permanecem. Vivo a repetir: nunca confio em meus sentimentos. Eles me confundem, como ao acordar em lugares estranhos. Quando pequena eles me confudiam mais, portanto adquiri o medo a aceitá-los, sempre fujo. Ou fujo ou jogo-me de cabeça. Que defeito!... Machuca-me também, e sempre caio em choro.
Conheci Leon quando ainda freqüentava certos encontros de intelectuais e estudantes. Aconteciam debates, regados a muito uísque e jazz. Logo despertou-me o interesse. Muito expansivo e eloqüente, com ideais maduros e concretos, diferente de Pietro. Os dois acabaram aproximando-se muito, e eu também. Apaixonei-me, e ele por mim. Pietro sabia quando a paixão despertou. Mantivemos um caso durante um certo tempo. Íamos para as toscanas, em muitas vezes. Caminhavamos muito, e Pietro acabou entrando n'uma de suas piores crises de depressão.

Vale lembrar uma diferença brutal entre mim e Pietro: eu choro muito e sou muito confusa. Pietro não chora, é confiante de si e também possui ideias concretos e imutáveis, porém ele guarda em si uma tristeza grande por certos traumas em sua vida. Ele vive crises de depressão enquanto meus conflitos vão com mais facilidade para fora de mim.

Enquanto mantivemos nosso caso Pietro calou-se ainda mais. Começou a beber quantidades incríveis e escreveu o suficiente para manter seu nome como grande escritor. A escrita é, de fato, fundamental a Pietro. Ele e Leon acabaram afastando-se, e isso gerou certos momentos em que eu acabei por afastar-me, também, de Leon, embora eu acredite que minha relação com ele tenha sido mais intensa. Quando optei pelo afastamento Leon chamou-me para morar com ele. Iríamos morar no norte da Itália, escreveríamos e lecionaríamos no Liceu da cidade. Confesso: se fosse apenas meu amor por Pietro eu escolheria morar com Leon. O que realmente foi fundamental em minha decisão havia sido Marccelo. Ele precisava de mim e Pietro juntos, eu não via nenhuma outra possibilidade. Se mudasse a vida de Marccelo todos meus planos para com ele iriam cair por terra. Não julgo desamor por Pietro, e confesso ter sido egoísta.

Eu e Leon trocavámos cartas esporadicamente durante o afastamento. Em dois anos não havíamos trocado nenhuma correspondência. Mudou-se para a memória, e apenas em memória. isso até abrir a carta de Hélène.
Ela havia causado a Pietro e Marccelo muitos problemas. Namorava Marccelo e dizia-se apaixonada por Pietro. Uma das presenças mais cativantes e atraentes que já conheci, causou muita frustração e a ilusão, em Pietro, de que ele ainda despertava o interesse de uma jovem tão interessante... Marccelo também apaixonou-se perdidamente por Hélène. Uma data que me foge da memória, embora de extrema importância, acabei bebendo muito uísque e me descontrolei. Ataquei Hélène e mandei-a nunca aparecer aos nossos pontos de vivência. Pietro e Marccelo culparam-me durante muito tempo, não obstante não me arrependo nem por um instante.

Era-me desconhecida a relação de Leon e Hélène, mas ela escreveu-me dizendo um local de encontro e hora. Dizia que Pietro nunca leria uma carta mandada por ela, e não queria que ele soubesse de meu encontro com Leon. Confesso: empolguei-me muito com o reencontro, e respondi a ela uma confirmação.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ela sofreu com infidelidade.

Sarah limpou o cinzeiro, arrumou suas coisas e foi-se a arrastar pelo corredor seu computador em uma mesa de rodas.
Passou pela sala do Jean-Pierre, que estava a falar ao telefone. Fez-lhe um sinal 'podemos nos falar?' ele respondeu 'mais tarde'. Era incrível a comunicação quase telepática que os dois possuíam.
Continuou pelo corredor e encontrou seu novo chefe, acompanhado de uma bonita mulher vestida de tailleur Chanel:
- Que oportunidade perfeita! Deixe-me apresentá-la, esta é nossa nova empregada, Sarah. Cuidará da parte de RH.
- Prazer em conhecê-la, Sarah. Igualmente foi a resposta.
Chegou, enfim, ao lobby. Havia um homem que cruzou seu caminho:
-Tu és a nova empregada, certo? - Fez que sim com a cabeça. A fala não era seu forte. - Tens um olhar profundo. Deve ser de signo de ar com ascendência em terra. Libra em virgem, quem sabe? Eu sou Touro em Virgem, pura terra.
Sarah sorriu brevemente e continuou andando, deixando-o sozinho.

Estavam no carro ao som de algo animado. Jean-Pierre acabou descontrolando-se no trânsito e foi parado por policiais:
-O tanque de gasolina está cheio e não possuo drogas no porta-malas. Algo mais? Logo após mostrar os documentos e sua habilitação. Pegou sua Polaroid e tirou uma foto. O flash deve ter cegado o policial.

Acordaram no dia seguinte. Ou melhor, Jean-Pierre acordou:
-Tenho que ir trabalhar, embora adoraria continuar contigo. Sarah apenas sorriu e continuou com seus olhos fechados. Sua pele sentiu a barba rala de Jean-Pierre passando por seu corpo. O sono era maior.
Acordou. Pintou um pouco a casa, fumou alguns cigarros, passou a ferro o Ralph Lauren de Jean-Pierre. Nunca fora muito atraída por artigos de luxo, mas ela há de convir: Ralph Lauren deve desenhar com Jean-Pierre como modelo.
Haviam fotos espalhadas por sua escrivaninha. Todas com os dois modelando juntos. Uma foto havia Jean-Pierre por trás de Sarah com os ombros desnudos e olhos fechados, enquanto ele parecia esconder-se:
-Minha preferida.
De fato: quando pensava em Jean-Pierre sentia essa imensa vontade de fechar os olhos.

Andou um pouco pela Champs-Elyseés com seu patinete e algumas sacolas. O frio pediu-lhe um cachecol e um cigarro. Parou em um orelhão e não pode deixar de ouvir a conversa de um homem alto e bem vestido:
-Eu não entendo, Simone! Me explique! ao berros. Eu entendo toda a situação mas por quê um fax? O fax é que me revolta... Simone? Simone! Merda. e chutou a lata de lixo ao seu lado.
A piedade apoderou-se de Sarah levemente. Olhou afastar-se brevemente do orelhão e acender um cigarro. Aproximou-se:
-Com licença. Poderia me emprestar seu cartão telefônico? O cartão foi-lhe entregue.
-Alô?
-Sou eu, Sarah. Sinto saudade sua. Podemos nos encontrar agora?
-Desculpe, estou n'uma reunião. Saí para andar e fumar um cigarro por um instante. Talvez mais tarde.
-Humm.. a satisfação não foi a sensação de Sarah no momento. Tenho que desligar, peguei o cartão emprestado de um homem. Coitado, sua namorada terminou com ele pelo fax.
-Uma antiga amiga minha sofreu da mesma situação. Para vingar-se tacou o fax em cima da BMW do ex. 
Nesse momento Sarah olhou para o outro lado da rua e viu claramente Jean-Pierre ao telefone a abraçar-se com a loira que vestia Chanel. A laconia e o choque apoderaram-se dela no momento como uma camisa de força:
-Alô? Sarah? Que estranho...
Sarah observou-lhe beijar a mulher e entrar em um prédio. Ainda em choque e confusa:
-Ainda precisará do cartão? Ei, você?
Deu-se conta que ainda estava com o telefone no ouvido e devolveu-lhe o cartão.
-Você está bem?
Foi-se andando doida, inebriada, traída. Não sabia para onde ir, o que pensar. Sentia em si um ódio que esquentava-lhe todo seu corpo.

Um carro atingiu-a na rua. Caída no chão, não sentiu-se com vontade de levantar-se. Logo um grupo de pessoas a olhava e o motorista do carro perguntou-lhe:
-Eu machuquei você?
Nada dava-lhe forças. Cruzou suas pernas no paralama do carro gentilmente. Pegou um cigarro, acendeu-o e ficou a observar o céu e as nuvens. Era disso que precisava: deitar-se um pouco.
-Hey, você está bem? o homem do orelhão.

-Como pudemos ver neste gráfico pudemos ver que o aumento dos lucros da empresa superaram todos os recordes desde implementado meu sistema de comércio...
Jean-Pierre falava e, vez por outra, olhava Sarah, também presente na reunião. A mulher que vestia Chanel estava mais a frente e fazia anotações.
-... Agora mostrar-lhes-ei o gráfico de 95 pra cá e verão o que eu... - a imagem que apareceu foi de Jean-Pierre com a mulher. A outra. Ela estava a frente, mas não com olhos fechados. Jean-Pierre, por trás, mantinha a mesma expressão.
A vergonha atrapalhou a fala e arrepiou-lhe o corpo. Enrubesceu. A mulher de Chanel olhou, preocupada, para os chefes da empresa. Jean-Pierre suava e olhava para Sarah, que mantinha sobre ele um olhar inquisidor e frio.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Indagações 2 ou Solidão p. 2

A banheira trás mais rugas, mesmo que momentâneas. Sinto-me desfazendo na água. A possibilidade remota de me desfazer causa-me certo horror nunca dantes valorizado. A água quente e o vapor amoleceram-me um pouco mais. Sou tão inconstante. Tão mexida pelo que me cerca. Pietro acredita que aquilo que nos cerca e que vemos só existe enquanto o vemos. Se fecharmos os olhos não saberemos se os transeuntes continuam ali, logo, eles só existem quando os olhamos, os tocamos ou sentimos seu cheiro. Essa 'existência sensorial', para mim, é infundada, não obstante Pietro a defende de forma calorosa.
Essa individualidade de Pietro beira o egoísmo. Se eu não existo enquanto ele fecha os olhos então a única importância é ele. Não sou assim. A xícara de café continua a fumegar, quer eu olhe-a ou não. Pietro continua a trabalhar em sua escrivaninha enquanto estava a banhar-me.
Neste ponto Marccelo assemelha-se ao pai. Desprendeu-se de mim e de sua criação sem ao menos terminar minha única imposição. Sempre fora muito apegado a mim, e era recíproco. Pietro me ama, mas não me supre. Marccelo supria-me. Sua vida era uma continuação da minha. Ele viveu de minha disposição durante quase toda sua vida. Sua independência, creio eu, nunca virá, já que Débora manda-lhe e ele não questiona. Tornou-se dependente de uma mulher sem juízo, sem orientação, sem boas relações... Ai, que gostaria de entender o que ela fez. Repito: sexo. Enquanto eu supria-lhe com livros e estudo (os quais ele parecia totalmente entusiasmado) ela a supre com uma vida de merda na Espanha. Veja só: mudou-se para a Espanha.
Me vesti, amarrei um turbante na cabeça e pûs-me à frente do espelho.
Aquela visão era mais satisfatória: com roupas a tapar-me as rugas, e com turbante para tapar-me os cabelos brancos.
Era domingo e fui olhar a correspondência: duas cartas. Uma era de Marccelo contando as novidades (suas cartas pareciam sempre as mesmas: o trabalho com o sogro, sua vida feliz com Débora e a suposta infertilidade da mesma), e uma de Hèléne. Que atrevimento digno de admiração.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Indagações 2 ou Solidão

A manhã estava bem fria. Levantei e olhei Pietro a trabalhar, na escrivaninha. Seu livro estava pra ser publicado, mas ele nunca satisfazia-se, sempre a revisá-lo incessantemente. Era cedo, portanto ele não devia ter dormido. De qualquer forma não me lembro de tê-lo ao meu lado na cama, aliás: faz tempo que não o lembro. Sua companhia já não me surpreende mais. O que dantes era-me necessário hoje me é indiferente.
Cumprimentei-o, costumeiramente com um beijo na testa:
- Não cansa de revisá-lo?
Não obtive resposta. Nosso carinho continua o mesmo, mas a fala não.
Sinto-me realmente sozinha. Marccelo foi-se há muito. Casou-se com Débora, uma desmiolada fanática religiosa. Aquela deve ter traçado-lhe pelo sexo, é a única possibilidade. Desde sempre, eu e Pietro, deixamos-lhe bem clara a inexistência de Deus. O próprio Marccelo havia afirmado, quando mais velho: 'Para mim Deus não passa de uma prestidigitação dialética'.
Casou-se na Igreja Católica. Eu e Pietro nos recusamos em ir a cerimônia, fomos apenas, hipócritas, na comemoração. Não havia nada que comemorar.
Logo depois largou a tese. Foi-se a trabalhar na Espanha, com o sogro. A mim não houve desgosto maior. O próprio Marccelo animava-se deveras com a tese. Dizia que a literatura e a filosofia não lhe preenchiam mais que outra coisa. Pelo visto o sexo preencheu-lhe mais.
- Giulia, gostaria que desse uma lida em um novo capítulo. Julgo pertinente que haja-o no livro.
- Irei banhar-me, logo depois lerei. Deixei-o em destaque.
Temos um apartamento grande em Roma repleto de espelhos e livros. No banheiro há o maior de todos os espelhos: minha vontade de quebrá-lo é imensa. Já não tenho mais o mesmo corpo de quando era jovem. As rugas e a flacidez tornam-me detestável. Pietro diz que continuo a mais bela, não obstante o espelho é o maior de todos os juízes. Implacável, inexorável.
Dispenso a banheira.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Uma tentativa canina frustrada de suicídio.
O cão pulou do 3° andar e sobreviveu.

Devia ser de uma infelicidade absurda. Tentar matar-se sem raciocínio e ainda viver.

A tentativa de suicidio, quando frustrada, deve ser ainda mais amargurante e atesta o fato: 'nem morrer eu consigo'. Não tendo sentido algum na vida, nem mesmo na morte, tornará a pessoa de um vazio chocante. Ainda há a esperança: 'se está tudo uma merda ainda virá a morte para salvar-me'... Mas quando nem ela trás esperança, então a esperança morre antes.

De uma especialidade terrível: morrer depois da esperança.
Era fácil para ele mascarar-se.
Sempre diziam-lhe: 'esse nasceu para o palco'. De fato seus dons artísticos de interpretação eram vistos ao longe. Expansivo, adaptável, camelão... Vê-lo-ão como ele quer que o seja.
Cabe ao ator um fardo: a mudança instantânea de personalidade trás consigo a incerteza da mesma.
Ele mesmo não exerga-se. Não compreende-se.
Outro fardo: o de tonar a tudo uma peça de teatro. Dramatizar a vida e os acontecimentos.

Com dois fardos como estes cabe a ele a negação de valores atribuídos outrora para algum que o valha de maneira mais dramática e artística. Olha-se o cardápio de acontecimentos e sensações e escolhe-se a com maior pontecial de dramatização. Atribuí-la-á a seu momento e dramatizá-la-á. Inventa-se paixões, gostos, vontades...

Até o momento em que ele se depara com a seguinte afirmação: 'torne-te quem tu és'. Não obstante, não há meio dele tornar-se quem ele é. Afinal, desde seu entendimento por pessoa já o eram escolhidos os valores e sua essência.

Sartre já dizia: 'a existência precede a essência'. Seria essa a pedra-base do existencialismo. Sua existência importa mais que sua essência, já que a essência vai da vontade do existente. Valores, caráter... todos procedem à existência, máxima e absoluta.

Ele não possui domínio de seu eu. Ou possuí?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Há, em mim, uma grande contradição: Ao mesmo tempo que tenho a quase necessidade de romantizar e carregar todos os pequenos detalhes, sentimentalmente falando; tenho a certeza que há, em mim, um vazio.
Não que eu seja um invólucro, contudo não sinto. Sinto de uma maneira a qual não me satisfaz. Não me supre. Tenho pouco sentido e ainda assim há a vontade da sentimentalização.
Falta-me a noção de ser ou não sentimental.
Não sinto, em mim, os sentimentos, logo não os são.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Vodca insône

Clic e o portão abriu. Ela desceu do carro e despediu-se torpe da amiga entorpecida. Costumeiramente não cumprimentou o porteiro. Bling e o elevador chega. Automaticamente a porta abriu e ela entrou. Entrou em casa e cheirou. O cheiro impregnou-se. Desde o carro nada permaneceu intacto além do cheiro. Ora, que viril! Derrotou tudo e moustrou-se único nas preocupações e indagações dela. Toc a sola do salto pelo apartamento, a varanda estava mais fresca. O banheiro estava úmido dos banhos ultimamente quentes dos dias permenentemente frios. Nada. Nada a livrava daquele cheiro. E que cheiro era? Algo como um prenúncio. Era cheiro de terra molhada. Bip e o fornô de microondas declarou pronto chá. O que foi ingerido foram duas doses. Tim tim e ela brindou sozinha. Dois copos de uma vez. Ela e o cheiro continuaram juntos... Um lapso! Voltou-lhe a memória: foi o homem. Nada mais de cheiro, ela fez de tudo pra despir-se do cheiro que caía-lhe como camisa de força. Estava sentindo-se presa. Os braço mexiam-se na prisão desesperada. Mais uma dose para livrar-lhe do gosto. Que seria? O anunciação era clara, porém turva. Ela não entendia nada, e isso a desesperava. Ora, sempre racional e olhos de falcão! Eles a abandonaram logo nesse momento. Cheirou e gritou. Mais uma dose e tomou um comprimido. Mais uma dose e foi ao chuveiro. Tonta, doida, desesperada. A cheirou fincou-se em suas costas. Esfregou-se forte com o sabonete, e tontou mais. Mordeu a mão, tonteou mais e dormiu.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ceder...
Ela pensou em ceder. Não deixar mais nehuma barreira. Dar-se mais. Dar-se sem cobrar. Não vender-se por valores irrisórios. Valores que não a supriam. Não supriam a vontade. Vontade de ceder. E por que não? Por causa do medo. Ou seria a diversão? O jogo era divertido. Ver até que ponto chegará. Mais uma vez o medo. Não é necessário o jogo. A necessidade. É necessário ceder. Ela necessita. Não. Não poderia ceder. Há muito que a faça não ceder. A necessidade. A necessidade fala mais alto. Ela quer. Ela vai. Nada mais importa. O momento é bonito. A necessidade é suprida. No momento em que ela cede, nada mais importa. Nada mais é necessário. Vontade de permanecer. Paz. Permanecer em paz...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

A cidade de K. era pequena. Não haviam chegado os males e os benefícios contemporâneos.
Os que chegavam (quando chegavam), avistavam de longe a grande torre da Igreja, com seu relógio parado, com dúzias de casas rodeando-a.
Camilo chegou à K. numa noite de lua mingüante. Não era uma pessoa sensível, ainda assim emocionou-se ao perceber que havia voltado.
O exílio fora escolha própria. Não haviam mais condições de vivência digna na situação que se encontrava.
O limite geográfico transferia-se às pessoas.
Camilo nomeava "limitação mental". Mas ao dar-se conta que voltara, ele percebeu que ela havia afetado-o, o que sempre jurara não ter havido.

Ele não sabia que horas eram. Era noite. Não sabia onde ir. Não sabia onde começar. Como começar...
Indagava-se sobre sua volta. Teria sido prudente? Ele fugira. E mesmo os anos fora, ainda estava fugindo.
A sua dependência dos olhares taciturnos dos moradores, da falta de sofisticação, da vida cotidiana, do relógio parado, do vento forte, e da total indiferença (indiferença absoluta, de todos os lados), era uma "limitação mental". Camilo não tinha mais nada. Haja vista a limitação, ele estava fadado às limitações de K. Só assim ele conseguiria evoluir.
Mas como evoluir sendo limitado?

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Indagações...

Pois que todos os dias ele passava fumando... Ai, que ele parou de fumar?
Agora essa... Que poderia ter acontecido? Fumava sim, todos os dias, sempre que o via passando, estava a fumar. Agora não se vê com um cigarro por perto.
Ai, que isso não me alegra. Agora como poderei referir a palavra a ele?
Já havia, inclusive, começado a fumar para ter o pretexto de pedir-lhe um isqueiro, assim chamaria sua atenção.
Até já o fiz, porém não adiantou muito. Ai, que me ignorou quase por completo.
Que poderia significar? Que não represento-lhe nada?
E olha que o pedi usando todo o meu charme possível. Sempre tento chamar-lhe a atenção, o que parece ser em vão. Ai, que não entendo.
Ai! Deus! Será que ele não gosta das que chamam a atenção?
- Poderias ser mais recatada, menina! Assim, quem sabe, ele não te repara e passa a olhar-te como desejas? - diria alguém
Ai, que ele nem vai prestar atenção em mim... Nem irá avistar-me.
Tenho que ter os mesmos costumes que os seus. Conhecer as mesmas pessoas, freqüentar os mesmos lugares, ter os mesmos costumes.
Tanto que comecei a fumar por sua causa. A desculpa do isqueiro, se feita com mais freqüência gerará uma...
Ai, mas e se ele realmente parou de fumar? Como farei?
Não sei bem os lugares que ele freqüenta, além de saber que freqüenta os bailes da capital, os quais nem me atrevo a ir.
Ele é um homem tão importante. Como farei eu para que me repare?
Seriam necessárias roupas novas. E atitudes mais altivas para que me reparasse. Nada singelo, tudo poder e elegância.
O melhor perfume, o melhor tecido, a melhor costura.
E o andar sedutor e envolvente.
Ai, que não sinto-me feia. Também não ouso dizer que sou bonita, mas não sou de jogar-se fora. Tenho muitas virtudes que os outros desconhecem.
Não consigo alguém porque sou uma anta, lenta.
Ai, que eu queria que alguém visse minhas virtudes todas, e que eu pudesse passar muito tempo, e que me completasse e que pudéssemos discutir as mais variadas coisas, tudo nosso interesse.
Afinal, quem é que não vive com a eterna vontade de ser amado?
Faço eu mal?
Não. Faço apenas aquilo que me convém ser a coisa certa. Mesmo vivendo apenas de idéias não realizáveis. Hipóteses...
Ai, que sou mesmo uma anta. Não seria mais agradável se me despertasse o interesse aquele que já está interessado em mim?
Pois que isso deve ser maldição. Já ouvi falar que existem pessoas que fazem certas "misturas" com intenções torpes:
- Pára com isso, menina, isso não existe. É coisa de sua cabeça.- dirá alguém.
Ai, lá vai ele em seu caminhar. Aonde estará indo?
Poderia ser esse o momento que eu poderia pedir-lhe um isqueiro para acender um cigarro e ele sorriria e perguntaria como eu tenho passado, e começaríamos um ótimo relacionamento.
Mas já que o maldito parou de fumar, todas as esperanças, que já eram frágeis, fossem pelo ralo. Nunca mais terei uma outra oportunidade de me aproximar dele.
Sou mesmo muito desgraçada.
E jamais homem algum iria querer algo comigo, pois eu ficaria imaginando tantas coisas que iriam para o ralo assim como essas.
A próxima serei eu. A descer pelo ralo de um fedor inebriante. Sempre para baixo. Sempre num lugar mais e mais sujo. Todo o esgoto em mim. Ficarei tempo suficiente lá até poderem confundir-me com qualquer outro dejeto. Sim, isso que sou, um dejeto.
Então eu iria ser despejada no mar, e ninguém notaria minha falta.

Ai! Que seria aquilo em sua mão? Está acendendo um cigarro?
- Corra, corra, corra! Vai logo pedir-lhe o isqueiro.- diria alguém.

domingo, 16 de dezembro de 2007

O entorpecente é aquilo que torna torpe. Seria efêmero caso as conseqüências não fossem tão duradouras.
O estado torpe é efêmero. A traição é duradoura.
Quem sabe até mesmo eterna, não?
"[...] Se não dói a ferida, dói a cicatriz.", já disse Brecht.