Contos, reflexões, ensaios... tudo em prosa. Com um generoso toque de sentimentos.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Indagações 2 ou Solidão p. 2

A banheira trás mais rugas, mesmo que momentâneas. Sinto-me desfazendo na água. A possibilidade remota de me desfazer causa-me certo horror nunca dantes valorizado. A água quente e o vapor amoleceram-me um pouco mais. Sou tão inconstante. Tão mexida pelo que me cerca. Pietro acredita que aquilo que nos cerca e que vemos só existe enquanto o vemos. Se fecharmos os olhos não saberemos se os transeuntes continuam ali, logo, eles só existem quando os olhamos, os tocamos ou sentimos seu cheiro. Essa 'existência sensorial', para mim, é infundada, não obstante Pietro a defende de forma calorosa.
Essa individualidade de Pietro beira o egoísmo. Se eu não existo enquanto ele fecha os olhos então a única importância é ele. Não sou assim. A xícara de café continua a fumegar, quer eu olhe-a ou não. Pietro continua a trabalhar em sua escrivaninha enquanto estava a banhar-me.
Neste ponto Marccelo assemelha-se ao pai. Desprendeu-se de mim e de sua criação sem ao menos terminar minha única imposição. Sempre fora muito apegado a mim, e era recíproco. Pietro me ama, mas não me supre. Marccelo supria-me. Sua vida era uma continuação da minha. Ele viveu de minha disposição durante quase toda sua vida. Sua independência, creio eu, nunca virá, já que Débora manda-lhe e ele não questiona. Tornou-se dependente de uma mulher sem juízo, sem orientação, sem boas relações... Ai, que gostaria de entender o que ela fez. Repito: sexo. Enquanto eu supria-lhe com livros e estudo (os quais ele parecia totalmente entusiasmado) ela a supre com uma vida de merda na Espanha. Veja só: mudou-se para a Espanha.
Me vesti, amarrei um turbante na cabeça e pûs-me à frente do espelho.
Aquela visão era mais satisfatória: com roupas a tapar-me as rugas, e com turbante para tapar-me os cabelos brancos.
Era domingo e fui olhar a correspondência: duas cartas. Uma era de Marccelo contando as novidades (suas cartas pareciam sempre as mesmas: o trabalho com o sogro, sua vida feliz com Débora e a suposta infertilidade da mesma), e uma de Hèléne. Que atrevimento digno de admiração.

3 comentários:

Na Beira do Palco disse...

tô gostando disso =]

Najla Salih disse...

idem Nick, idem...

Anônimo disse...

to gostando disso [3]